O conceito de escuta, segundo o filósofo contemporâneo Jean-Luc Nancy [1940-2021] em À escuta [2002], não implica apenas sons e falas audíveis, mas possui um sentido de escuta expandida, isto é, aquela que ressoa para além do ouvido. Desse modo, o sentido de escuta desloca-se, também, do vínculo automático com o órgão físico do ouvido e do fenômeno acústico para o sentido ressonante, e não apenas no âmbito da relação som-sentido, mas no espaço de rebatimentos, do “estar inclinado para um sentido possível”:
“O sentido consiste em um reenvio. Ele é inclusive feito de uma totalidade de reenvios: de um signo a alguma coisa, de um estado de coisas a um valor, de um sujeito a outro sujeito ou a si mesmo, tudo simultaneamente. Também o som é feito de reenvios: ele se propaga no espaço onde repercute ao repercutir em mim […] Soar é vibrar em si ou por si: não é somente para o corpo sonoro, emitir um som, mas é de fato se estender, transportar-se e se resolver em vibrações que de maneira concomitante o relacionam consigo mesmo e o colocam fora de si”. (NANCY, 2013, p.163-164).
Memórias Póstumas é esse tecido em ondas que se propagam do espaço do livro ao ambiente circundante, “estendendo a orelha do leitor” por meio de reenvios constantes, em busca de sentidos possíveis entre ruídos, silêncios, falas audíveis e inaudíveis, letras, corpo tipográfico, voz, capítulos, frases, citações de outros autores e livros, responsáveis pela criação de toda uma rede hipertextual da memória de Memórias Póstumas.