freud

A interpretação dos sonhos de Sigmund Freud [1856-1939], publicada em 1900, embora tenha sido elaborada algum tempo antes, constitui um marco, na virada dos séculos XIX/XX,  para o estudo de processos mentais, como os do sonho ou deste estado delirante de Brás Cubas, por exemplo, entendidos como produtos psíquicos e mentais construídos por imagens desprovidas de vínculos estritamente racionais e que poderiam ser alvo de investigação  científica, distante de explicações como a de perturbações fisiológicas ocorridas durante o  sono, como era comum na tradição da psiquiatria.

“Portanto, o sonho pensa predominantemente por imagens visuais, mas não exclusivamente. Trabalha também com imagens auditivas e, em medida menor, com as impressões dos outros sentidos […] Ignorando todas as discussões tão familiares aos psiquiatras sobre a natureza das alucinações, podemos afirmar, com todos os autores especialistas na matéria, que o sonho alucina, que ele substitui os pensamentos por alucinações”. (FREUD, [1900], 2019, p.75-76; destaque do autor). 

A aproximação entre sonho e estados alucinatórios traz um vínculo com o fenômeno do delírio, também ele entendido como um processo mental e psíquico e não como patologia. Nesse sentido, no delírio, a cura estaria na tentativa de reconstruir a realidade perdida por meio da projeção de “imagens  alucinadas”, que respondem ao desejo do sujeito e não à lógica da razão dedutiva, operando por deslocamento, condensação e substituição da realidade indesejada. Trata-se, então, de uma “realização imaginária” de desejos reprimidos geradora de cura psíquica por meio da linguagem do inconsciente.

Pensemos, também, na ressonância da abertura do Cap. VII- “O delírio”- “Que me conste, ainda ninguém relatou o seu próprio delírio; faço-o eu, e a ciência mo agradecerá”- nestas palavras de Freud, na Gradiva: 
“Ouvimos dizer que um escritor deve se esquivar ao contato com a psiquiatria, deixando para os médicos a descrição de estados patológicos. Na realidade, nenhum verdadeiro escritor obedeceu a esse mandamento até hoje. A caracterização da vida psíquica humana é, de fato, o autêntico domínio do escritor. Ele sempre foi um precursor da ciência e, portanto, também da psicologia científica”. (FREUD, 2015, p.  60-61)

Imagem: foto de Freud disponível na Wikipedia.