Esta é a expressão que o poeta, ensaísta e crítico literário Décio Pignatari (1927-2012) usa para se referir ao pioneirismo de Machado de Assis na atenção que dá à própria escrita de Memórias Póstumas de Brás Cubas, em termos da materialidade de seu corpo tipográfico, cujo sentido vai na contramão do padrão convencional do código escrito e alfabético, no qual determinadas sequências de letras representam fonemas específicos.
Uma forma tipoideográfica, porém, como nomeia Pignatari, numa sutil analogia entre tipografia e ideograma, opera como uma configuração, ou “pintura abreviada de ações e processos”, como afirma Ernest Fenollosa a respeito dos caracteres chineses [Os caracteres da escrita chinesa como instrumento para a poesia. In: CAMPOS, H.(org.) Ideograma. Lógica. Poesia. Linguagem, 1977, p.137].
Não se trata, pois, de representar, propriamente, mas de ser a própria coisa que significa no traçado de sua forma.
Tal é o que ocorre nas inscrições tumulares de Memórias Póstumas, seja aquela que abre o livro, seja a que anuncia a morte de uma personagem como Eulália, objeto de arguta percepção do crítico:
“O defunto autor de um livro de exemplar único, embora escreva à mão, fá-lo tendo em vista a composição tipográfica, mesmo quando se trata de uma inscrição tumular, que imita no espacejamento e na disposição tipográfica. Sempre a vivificação sígnica do real na página, sempre os signos se aproximando de seus objetos. Como neste caso, em que temos texto e extratexto: o ícone da lápide inscrita no papel. É um raccourci, uma abreviatura narrativa que lhe aumenta, à narrativa, o grau de surpresa. Comunica-se que a personagem não apenas está morta, mas já enterrada – e com todas as formalidades do decoro requeridas nas circunstâncias.”(PIGNATARI, D. Rabisco sem intenção alfabética. In: Semiótica e Literatura, 1974, p. 122).
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